Paro por alguns minutos e ostento nesta escrita um fato ocorrido na tarde de hoje durante a aula de desenho de observação na praça do Paço Imperial.
Naturalmente, os curiosos - que não são poucos - aproximam-se daquela turma de jovens sentadinhos no chão imundo um do lado do outro com suas pranchetas. Um menino de rua, adolescente, tipicamente magro e sujo, é o sujeito da cena. Entra vindo do nada, por de trás de cada um de nós inclinando-se para ver cada desenho, se fazendo inteiramente presente só com seu mal cheiro. Até que começou a falar, esguio, apontando com o dedo e com a voz "Essa aqui está aprovada, essa, essa e essa estão aprovadas...". Saiu do meio de nós dirigindo-se para nossa frente e se entusiasmou "Professor! Pode aprovar todo mundo! Que eu vou contratar todas vocês para desenhar minhas roupas de moda!". E seu cobertor azul encardido que carregava nas costas transformou numa formosa capa e desfilou duas veses de um lado para o outro feito um rei, ou uma madame, ou sei lá. Desapareceu desfilando praça afora.
Depois do Paço, fomos desenhar o chafariz. Olho para trás sonolenta e distraída, divagando meio às explicações e observações do professor... Dou de cara com uma figura assustadora marchando em minha direção, vindo lá debaixo do viaduto. Vestia um chapéu rosa choque, pontudo e comprido como o do Klu Klux Klan, por trás das costas saíam asas douradas igualmente pontudas, ombreiras alegóricas sustentando um imundo cobertor azul, quero dizer uma imunda capa azul, que encobria a cabeça até a altura do nariz fazendo uma máscara caolha através de um buraco de rasgo. Chegando bem próximo a mim, ficou imóvel me olhando, e eu mais imóvel ainda, completamente desconstruída. "Olha minhas roupas de moda!" Foi o que disse e saiu, assustando outras pessoas pela praça, deixando-me lá pasma sem saber se ria ou se gritava, ou ainda, se admirava.
Tá aí. Hoje fui apresentada a um outro mundo que desconhecia. Um mundo no qual a poesia é luxo demais para nele existir. Um mundo onde o poeta não tem vez pois é luxuosíssimo para o pão vosso de todo dia. Cujo maior artista de todos é a boa cozinheira que faz aquela comidinha bem feita, pois é disso que todos precisam para viver. Um mundo no qual a arte não tem vez pois não é essencial uma vez que lutar para sobreviver fala mais alto, sendo um morador de rua esquecido pela sociedade e o seu espaço esquecido pela natureza. Pode confessar - eu me senti amargurada só de imaginar a minha vida sem a arte. Por mais que qualquer fazer artístico passe muito longe da vida dessa galera, sem opção, elas buscam a felicidade nas coisas simples que realizam a cada dia. Um mundo sem pretenções artísticas, sorrindo o luxo a cada lixo.
Naturalmente, os curiosos - que não são poucos - aproximam-se daquela turma de jovens sentadinhos no chão imundo um do lado do outro com suas pranchetas. Um menino de rua, adolescente, tipicamente magro e sujo, é o sujeito da cena. Entra vindo do nada, por de trás de cada um de nós inclinando-se para ver cada desenho, se fazendo inteiramente presente só com seu mal cheiro. Até que começou a falar, esguio, apontando com o dedo e com a voz "Essa aqui está aprovada, essa, essa e essa estão aprovadas...". Saiu do meio de nós dirigindo-se para nossa frente e se entusiasmou "Professor! Pode aprovar todo mundo! Que eu vou contratar todas vocês para desenhar minhas roupas de moda!". E seu cobertor azul encardido que carregava nas costas transformou numa formosa capa e desfilou duas veses de um lado para o outro feito um rei, ou uma madame, ou sei lá. Desapareceu desfilando praça afora.
Depois do Paço, fomos desenhar o chafariz. Olho para trás sonolenta e distraída, divagando meio às explicações e observações do professor... Dou de cara com uma figura assustadora marchando em minha direção, vindo lá debaixo do viaduto. Vestia um chapéu rosa choque, pontudo e comprido como o do Klu Klux Klan, por trás das costas saíam asas douradas igualmente pontudas, ombreiras alegóricas sustentando um imundo cobertor azul, quero dizer uma imunda capa azul, que encobria a cabeça até a altura do nariz fazendo uma máscara caolha através de um buraco de rasgo. Chegando bem próximo a mim, ficou imóvel me olhando, e eu mais imóvel ainda, completamente desconstruída. "Olha minhas roupas de moda!" Foi o que disse e saiu, assustando outras pessoas pela praça, deixando-me lá pasma sem saber se ria ou se gritava, ou ainda, se admirava.
Tá aí. Hoje fui apresentada a um outro mundo que desconhecia. Um mundo no qual a poesia é luxo demais para nele existir. Um mundo onde o poeta não tem vez pois é luxuosíssimo para o pão vosso de todo dia. Cujo maior artista de todos é a boa cozinheira que faz aquela comidinha bem feita, pois é disso que todos precisam para viver. Um mundo no qual a arte não tem vez pois não é essencial uma vez que lutar para sobreviver fala mais alto, sendo um morador de rua esquecido pela sociedade e o seu espaço esquecido pela natureza. Pode confessar - eu me senti amargurada só de imaginar a minha vida sem a arte. Por mais que qualquer fazer artístico passe muito longe da vida dessa galera, sem opção, elas buscam a felicidade nas coisas simples que realizam a cada dia. Um mundo sem pretenções artísticas, sorrindo o luxo a cada lixo.